quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Feijão queimado e fome virtual: o domingo em que minha vó descobriu a internet

O feijão tá queimando no fogão, alguém berrou da cozinha. E ela nada. Só eu alcancei seu sorriso de menina atrevida: a panela podia virar carvão naquele almoço de domingo. Que ela não se importava – e em algum lugar devia estar escrito que tinha todo o direito. Imagine: demorou setenta anos para descobrir um computador e agora ia trocar o mouse por uma colher para refogar? Nem a (de) pau.

- Ô, vó, esse “êzinho azul” aqui é o símbolo da internet. Tá vendo? É só clicar nele.

Eu disse, apontando o ícone. Prontamente, ela seguiu meu gesto. E enfiou o indicador (que tantas vezes checou o interior de bolos saídos do forno) na tela do computador.

- Não, querida. Não é “touch screen” como esses celulares modernosos.

Percebi um rosadinho se esparramar em suas bochechas. Fiz que não vi. Oras, vovó nunca me recriminou por não saber abrir a tampa da panela de pressão ou bater clara de ovos. Guiamos juntas a tal setinha, danada por passear mais rápida que seus reflexos. É que, atrás dos óculos, seus olhos ainda se acostumam à nova paisagem. Tão rica em pequeninos detalhes, tão cheia de movimentos. E de possibilidades.



Perguntou se podíamos encontrar uma receita de pudim no site da Ana Maria Braga e se dava para espiar o “tuílton” do Luciano Huck. Quis saber se conseguia abrir o email dela naquele computador, já que a conta havia sido criada em outro. Ah, quanto havia acumulado na Nota Fiscal Paulista? Leu matérias da Folha, babados de celebridades e o blog da neta.

- Esse aqui é o Youtube, dona Kilza. Digite aí “Roberto Carlos”.
- Meu Deus! Tem 14 vídeos dele!
- Não vó. São 14 só nesta página. No total, são 349 mil vídeos.

Incrédula, ela calculou:

- Mas nem que eu assista um por dia... vixe, vou morrer e ainda vai sobrar um monte para ver, né?

Suspirava, não cabia em si. Como é que aquele mundo caberia nela? Daria um jeito, isso era certo. Algumas horas de treino e um almoço depois, vovó continuava intrigada. Digeriu o feijão, mas não as dúvidas – lembrou que novidades alimentam a alma da gente, mas também deixam um gostinho de insegurança. E então ela não se aguentou:

- Nath, uma amiga me disse que é perigoso mexer na internet. Você me ensina a matar vírus?
- Ih, vó... isso aí eu ainda tô aprendendo...


***

ps1. Uma semana mais tarde, ela me ligou para contar que já tinha feito 12 amigos no Orkut. Desliguei com o sorriso de menina atrevida que vi naquele dia. Vovó não sabe o que sua alegria significa.


ps2. Domingo passado, dei um GPS de presente ao vovô de 80 anos. Vive ganhando mais cabelinhos brancos toda vez que se perde em São Paulo. Então descemos para uma volta de carro: era preciso ensinar o funcionamento na prática. Liguei o aparelho enquanto ele dirigia. O troço foi logo berrando com ele: "Você está acima do limite de velocidade". Vovô se assustou e gargalhou. "Como ele sabe? Ô louco... Pior que a dona Kilza!"

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

De novo. E de novo.

Da Cris Guerra.

"(...)

O que eu aprendi sobre o amor, filho, é que ele é feito de faltas e presenças. E que nenhuma das duas pode faltar.

Aprendi que o amor é feito de liberdade. É como ter, todos os dias, muitas outras opções. E ainda assim fazer a mesma livre escolha.

Dessas pequenas vitórias se faz a alegria de amar e ser amado. Descobrir no olhar do outro que você foi escolhido de novo. E de novo, mais uma vez.

Também aprendi que o amor interrompido em seu auge permanece bonito para sempre. O que pode ser muito doído ou pode ser um presente.

Depende de como a gente quer guardar. Depende de como a gente quer seguir.(...)"