terça-feira, 15 de novembro de 2011

Ao amor da minha vida - ou o que eu tenho para te dizer depois de um ano morando juntos



As portas dos armários estavam escancaradas, feito o medo que você não podia disfarçar. Eu havia espanado a poeira na noite anterior e deixado as janelas abertas para você entrar de vez na minha vida. Na casa que, então, seria nossa. Já morávamos juntos, no mínimo, quatro vezes por semana. Mas não dividíamos decisões nem contas nem espaços. Vez em quando, você se esparramava numa suíte só sua na casa dos seus pais e eu saboreava algum livro, horas a fio, em silêncio. Namoramos cinco anos e pouco assim. E foi muito bom – até ficar insuficiente.

Você não queria mais ir embora e eu não queria que você fosse. Lembro daquela cena de novo: sentado na beirada da cama, você olhava para as malas trazidas de Interlagos. As roupas milimetricamente ajeitadas pareciam implorar para serem levadas de volta. Era mais confortável e cômodo lá, onde eram lavadas e amaciadas e passadas e penduradas com capricho de avó. Quem abriria mão de um mimo desses? Eu também temi perder a minha independência. Um ano depois, enquanto refogo a cebola para o arroz hoje livre do alho pelo seu paladar, vejo você tirar da máquina umas cuecas desgrenhadas e sem o branco alvejante de antes. Você pesca uma calcinha minha e assobia com cara de safado ao estendê-la. Fico amarrotada de tanto rir e penso que casamento também é feito dessas pequenas alegrias cotidianas.

Desse jeito com que você aumenta o som às dez da noite, abre uma cerveja gelada e coloca amendoins na minha boca porque eu fico irritada cozinhando com fome – principalmente depois de um dia de trabalho. E você sabe disso antes que eu precise falar. Aprendemos a reconhecer no outro a menor expressão de cansaço, frustração, raiva. Damos uma garfada na salada e contamos sobre o dia nas redações. Antes da sobremesa, já comentamos sobre o vídeo mais engraçado da internet, a notícia absurda, o futuro do personagem na novela, os rumos do Timão num campeonato qualquer. Saio alimentada dessas conversas rotineiras, deliciosas porque reafirmam a nossa cumplicidade. Você deita na cama e escorrega o braço pelas minhas costas, me trazendo para o seu peito fresquinho, ainda com cheiro de sabonete. E você sempre diz: “passei o dia inteiro esperando por isso, preta”.

Alguns dias adormeço em minutos, você liga o videogame e passa a madrugada na companhia de uns jogadores virtuais. Noutros, nos enroscamos e bagunçamos os lençóis até mais tarde. Acordo invariavelmente remelenta, descabelada e com bafo. Você, a alguns centímetros de mim, diz que sou a coisa mais linda desse mundo e eu finjo que acredito. Repara quando tiro três pelos da sobrancelha, chama meus dedos do pé de “uvinha” quando pintados de escuro, beija minha nuca enquanto escovo os dentes, abre a porta do carro mesmo debaixo de chuva. Anda atrás dos meus pés descalços pedindo que bote os chinelos, fecha as cortinas enquanto passeio distraída e seminua, volta para casa no meio do caminho porque esqueci a chave na portaria e acabei trancada do lado de dentro. Eu cheiro a pinta da sua barriga em sinal de “bom dia” todas as manhãs, faço uma dancinha quando você chega em casa, fico parada na porta do banheiro para te ouvir cantando sob o chuveiro. Odeio quando você erra um caminho, quando fica estressado no trânsito e desconta em mim, quando gagueja ao contar uma mentira, quando, por causa da timidez, acaba parecendo arrogante.

Temos muitas piadas internas, né, Claudionor? Me assusta dizendo que está com dor porque levou um golpe de ar da geladeira vazia e se irrita com o meu vai-vem desordenado entre os corredores do supermercado ("parece um motoboy maluco, cortando todo mundo!"). Quando eu fico de mau-humor porque Interlagos é mais longe que a Conchinchina, você vira ator e me chama de mulher ingrata, acusa que o bairro me deu dois amores da minha vida: você e a bel, nossa filhota canina. “E você, Nathalia, o que deu a Interlagos?” É piada velha, mas eu gargalho sempre. Se surto por algum motivo besta, você abre a janela do carro e diz que deve estar faltando oxigênio no meu cérebro. Eu rio de novo. É espontaneamente bem-humorado e generoso, não se acha dono da verdade nem possui tom professoral. Hoje erro menos porque valorizo mais. Não há jeito de brigar com você, mas eu tento com afinco às vezes. Você respeita (e é adorado) pelos meus amigos homens, entende que as vivências passadas propiciaram o nosso encontro.

Há quem prefira paixão incendiária, imprevisível.
Eu só quero a sorte do nosso amor tranquilo.
Para sempre.