sexta-feira, 3 de abril de 2009

O dia em que me apaixonei por Seu Lourival

Eu amo o que faço, principalmente, pela oportunidade de conhecer pessoas como ele. Ser jornalista me permite bater na porta dessas vidas sem parecer uma doida curiosa, cheia de perguntas. E, muitas vezes, confesso, esqueço que a visita é a trabalho. Me encanto e me apego aos personagens, o que já virou motivo de chacota lá na redação da Época SP. Tudo começou com um anão motoboy que entrevistei e de quem falei semanas a fio. Mas essa é uma outra história.
Agora estou apaixonada por Seu Lourival. E foi amor à primeira lida.
Fui pautada para escrever uma pequena matéria sobre a Cooperifa, um movimento cultural criado pelo poeta Sérgio Vaz na periferia de São Paulo. Num boteco de quebrada localizado entre os bairros mais perigosos da cidade (Capão Redondo, Jardim Ângela e Piraporinha), pertinho de um cemitério em que 80% dos "moradores" foi assassinado, se recita poesia. Gente que, de cerveja em punho e pratão de toicinho e mandioca cozida na mesa, esquece o futebol e a novela na televisão. Que toda quarta-feira, às nove da noite, se aglomera em um silêncio sagrado pra ouvir POESIA de todo tipo. São cerca de duzentas pessoas - entre poetas e ouvintes respeitosos. Enquanto alguém recita uma dor de corno, um amor impossível, um desabafo de cunho social ou uma doidera qualquer, não há espaço para risos debochados e vaias. Há quem traga seus versos decorados, quem recorra a uma leitura sofrível no papel de pão, quem interprete cada palavra com alma de ator. Seja como for, a plateia incha as mãos de tanto aplaudir. Vi choro, arrepio, perplexidade, torcida. E me vi assim logo que o desajeitado Seu Lourival se postou diante do microfone. Baiano de Riacho de Santana, esse homem de 70 anos é a pérola da Cooperifa. É um poeta anarquista, sem saber que o é. Na poesia dele, rimas nem sempre são necessárias e erros de português não são crimes. Até porque, tivesse ele estudado além da quarta série, não seria desse jeito. Desde pequeno, Seu Lourival achava bonito quando ouvia repentistas no Nordeste. Aquelas palavras ajustadas a acontecer, de tempo em tempo, com sons parecidos. "E não é que de rima em rima, virei poeta, moça?", ele me avisa, pra que sua conquista não passe despercebida. Casado há 43 anos, o vigia aposentado confessa que gosta mesmo é de escrever coisas românticas. Pra mulher, Seu Lourival? "Ah, ela não liga muito, não. Mas aqui na Cooperifa a mulherada me chama de garanhão", e ri, todo safado. Meio atrapalhado e muito humilde, ele não consegue se expressar na velocidade das ideias. Tropeça nas palavras, engole raciocínios, pede calma pra pensar. Ralhado em casa e por desconhecidos, não desistiu de expressar seus sentimentos. É sábio porque escuta o coração.

Aqui, o poema que declamou no dia em que o conheci. Quis colocar exatamente do jeito que ele escreveu. Seu Lourival, é com você:


"Primeiro ti conheci despois vei amizade
Mais agora eu confeço que ti amo de verdade
Atravecei o riu Paraná num pedaço de barbante
Arisquei a minha vida por uma simpri estudante

Si eu fosse o seu professor, eu sentia emoçãu
Mais eu sou apaichonado e vou dar meu coraçãu
Eu queria que chuvesse uma chuva bem fininha
Pra molhar a sua cama pra você dormir na minha

Ela mim deu um beijo que meu corpo estremeceu
Despois de nove messe um lindo bebê nasceu
Ela mim pediu nãu beijar no portãu
Porque seu pai é cego mais os seus vizinhos nãu é cegos nãu

Eu nãu quer te perder porque minha vida fica em sofrimentos
Isto porque eu ti amo loucamente
Si eu governasse os seus olhos, eu queria que fosse assim fechado
Para abrir só para mim

Seus olhos de plata, seus lábios de porcelana
Eu beijei uma vez e sentir feliz uma semana
No cofre do pençamento eu tranquei minha paichãu
A chave da felicidade foi cair em minha mãu

Quem querer saber meu nome, dar uma volta no jardim
Pois o meu nome está escrito numa folha de alegrim
Gestaine em francês, ylôve em ynglês
Si vocês nãu intendeu
Eu ti amo em português".

4 comentários:

Dafne Sampaio disse...

genial seu lourival, e é isso aí nathalia, a gente tem que se apaixonar mesmo pelas pessoas... e assim a vida (de todos) melhora.

Mari Desimone disse...

ai Nathyyyyy que fofooooooooo!

Seu Lourival é isso aíii, mandando mto bem na poesia!

beijosss

L&L-Arte de pensar e expressar disse...

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Aninha disse...

Nossa...AMEI o seu blog! Você escreve MUITO bem! Parabéns! O texto para o novo inquilino é tudo de bom! Quem sabe um dia eu não consiga entregar uma carta assim...rs.
Bjs!