segunda-feira, 4 de maio de 2009

Eu não sei rodopiar

- Se eu te chamasse para dançar, moça, você me acharia um velho tarado?
- Não. Eu diria que o senhor tem é muita iniciativa.
- Então dança comigo?
- Não posso. Estou a trabalho. Mas agradeço a gentileza.
- Hm. Que pena. (...) Você deve ser dessas difíceis de conduzir mesmo.
- Na dança?
- Também.


Assim começou nossa prosa, ignorando toda e qualquer apresentação. Estávamos às margens do salão central, numa segunda-feira de baile na Sociedade Beneficente União Fraterna, bairro da Lapa. Minha missão, de caderno e gravador em punho, era encontrar um casal de idosos que houvesse começado a namorar nesta fase da vida. Talvez depois de anos de viuvez, divórcio, solidão...

Me postei por alguns minutos no topo da escada da entrada, coberta com um tapete vermelho para ser digna de receber quem tanto se preparou para a ocasião. Sobem senhoras com brincos reluzentes e pesados a lhes esticar orelhas, cílios postícios, vestidos longos com fendas maiores ainda. Degrau por degrau, também chegam senhores de camisa engomadinha, barba feita no capricho, perfumados para uma semana inteira.

Enquanto estranho todas aquelas cabeças brancas e aqueles sorrisos enrrugados bailando num fôlego que eu nunca tive, eles me olham com o canto dos olhos. Eu, uma ninfeta com idade para ser bisneta de alguns. "Ela não devia estar na cama a uma hora dessas?". Eu, de jeans. "Que absurdo! Nem se arruma para vir dançar". Eu, desacompanhada. "Ah, tadinha. Será que veio sozinha mesmo?". Foi como se eu sentisse esses cochichos desfilando das mesas até meus ouvidos. Ri por dentro. Bem pouco. Fui interrompida por esse senhor - e por um inesperado convite.

Teria inventado um jeito simpático de sair daquela situação. Mas não quis. E o tal velhinho me pegou pelo braço, como quem pede atenção: "Tá vendo aquela senhora de roxo? Olha como ela está preocupada em dançar bonito, em fazer o passo certinho. E olha como os ombros dela estão duros, como o parceiro está tenso e acuado". Então meu desconhecido apontou para outro casal: "Esses sabem dançar".

De rostos colados, meio sem ritmo e trombando vez ou outra nos vizinhos dançarinos, eles improvisavam uma coreografia qualquer. Um-dois pra cá, um-dois pra lá. As mãos do negro bigodudo, pousadas sobre as voluptuosas nádegas da senhorinha, comandavam o balanço e saíam de lá apenas pra rodopiá-la. "Você vê como ela gira de olhos fechados? Quem nunca se deixa levar perde o melhor da música - e da vida". Cavalheiro, ele se despediu com um sorriso e emendou, já a caminho de uma mesa: "Ainda bem que aquela doçurinha ali não está trabalhando agora. Adoro essa música".

6 comentários:

Anônimo disse...

Que lindo Nathy...
Mas fiquei com pena do senhorzinho.. Você bem que podia ter dançado dois passinhos pra ele dormir mais feliz!! ehehhe
Bjoss
Thatá

Carla disse...

Quanta sabedoria do cavalheiro experiente...e quanta sensibilidade sua que pôde captar tanto significado em cada palavra, movimentos de dança e reações diversas em cada pessoa do salão...
teamooo

Calil disse...

Quer dizer que existe gente feliz no mundo? Eu achava que todos era assim, cansados e sem pique, que jamais chegariam na ninfeta, pois crê que ela já tem ou prefere coisa melhor... Preciso atingir essa maturidade!

mari disse...

profundo..
sábias palavras

Aninha disse...

Nossa...você me arrepia. Que lindo texto. Você sabe passar o momento para palavras de uma forma belíssima!

Thais disse...

Naty, nunca tinha entrado no seu blog.. é muito 10... parece que vc escreve com muito amor e carinho... continue assim que os leitores agradecem. Bjs