Presentes e datas comemorativas são bobagens. Era o que você costumava dizer, envolto até em um certo desdém. Completava só depois: amor e carinho se entregam ao outro todos os dias. Era isso ou algo parecido. As cinco décadas te alcançam e a minha memória é que tropeça. Eu, menos da metade de você.Nesse dois de julho, talvez o único em que passamos separados desde o meu sempre, não te dei presente. Nem amor, nem carinho. Apenas o máximo que pude: "oi, parabéns. (...) é isso, beijo-tchau". Fosse possível, teria mandado embrulhar o perdão em caixa espaçosa, com fita vermelha e lustrosa. Mas você sabe que não é coisa para se escolher na vitrine e pagar parcelado. Bem mais complicado.
E então recolhi mais uma vez. Encaramujei minha tristeza, minha angústia e minha saudade. E você também, porque somos iguaizinhos. Fico hereditariamente doida nessas horas: quero subtrair teus genes de mim. Com os dentes. Daí percebo o quanto perderia.
Nesse aniversário atrasado, homem de 50 anos, vou te dar um tubo de cola bem tenaz. Não para recuperar os fios que já na adolescência te escaparam do couro. (Você tem seu charme sem eles, acredite). A cola deve ajudar a juntar esses caquinhos nossos por aí.
Algumas noites atrás encontrei um sob o travesseiro. Vai ver por isso sonhei com você penteando minha cabeleira enquanto eu, sentada no chão, assistia toda a novela das oito. Outro dia também dei com um outro pedaço no trilho da janela da área de serviço. Lá estava você atirando minha última chupeta, me fazendo dar adeus com a mãozinha e cair em prantos depois.
Descobri que a história da gente pode sofrer abalos estruturais mesmo. Rachar e se espatifar inteira. Improvável reconstruí-la como era. Mas nem por isso os caquinhos merecem ser expanados. Dá pra colar de novo, encaixar de um jeito irreverente. Veja só os mosaicos. Quem repara nos rejuntes? Importa é que as peças estão unidas.

