segunda-feira, 27 de julho de 2009

A um homem de 50 anos

Presentes e datas comemorativas são bobagens. Era o que você costumava dizer, envolto até em um certo desdém. Completava só depois: amor e carinho se entregam ao outro todos os dias. Era isso ou algo parecido. As cinco décadas te alcançam e a minha memória é que tropeça. Eu, menos da metade de você.

Nesse dois de julho, talvez o único em que passamos separados desde o meu sempre, não te dei presente. Nem amor, nem carinho. Apenas o máximo que pude: "oi, parabéns. (...) é isso, beijo-tchau". Fosse possível, teria mandado embrulhar o perdão em caixa espaçosa, com fita vermelha e lustrosa. Mas você sabe que não é coisa para se escolher na vitrine e pagar parcelado. Bem mais complicado.

E então recolhi mais uma vez. Encaramujei minha tristeza, minha angústia e minha saudade. E você também, porque somos iguaizinhos. Fico hereditariamente doida nessas horas: quero subtrair teus genes de mim. Com os dentes. Daí percebo o quanto perderia.

Nesse aniversário atrasado, homem de 50 anos, vou te dar um tubo de cola bem tenaz. Não para recuperar os fios que já na adolescência te escaparam do couro. (Você tem seu charme sem eles, acredite). A cola deve ajudar a juntar esses caquinhos nossos por aí.

Algumas noites atrás encontrei um sob o travesseiro. Vai ver por isso sonhei com você penteando minha cabeleira enquanto eu, sentada no chão, assistia toda a novela das oito. Outro dia também dei com um outro pedaço no trilho da janela da área de serviço. Lá estava você atirando minha última chupeta, me fazendo dar adeus com a mãozinha e cair em prantos depois.

Descobri que a história da gente pode sofrer abalos estruturais mesmo. Rachar e se espatifar inteira. Improvável reconstruí-la como era. Mas nem por isso os caquinhos merecem ser expanados. Dá pra colar de novo, encaixar de um jeito irreverente. Veja só os mosaicos. Quem repara nos rejuntes? Importa é que as peças estão unidas.

5 comentários:

Carla disse...

por tudo isso existe um amor, costurado fio a fio durante toda uma vida,(e quem sabe talvez já modulado nos gens),que é de fato incondicional...amores vem e vão, amigos talvez, mas o amor entre pais e filhos permanece além de qualquer conflito ou acontecimento.
compreender isso, não no plano racional, mas lá dentro, no mais íntimo e aceitar é maturidade, crescimento.os mosaicos são lindos por recriarem uma nova forma de olhar a beleza de tantos pedaços...
enfim as peças estão unidas novamente...
amo vc

Mari Desimone disse...

Nathy é um carinho vir aqui ler essas coisas lindas que você escreve aqui, sempre rende sorrisos e as vezes um marejar nos olhos.

parabéns

Rafa Dutra disse...

Fala moça...
vc nem me conhece... mas como já disse que venho conferir seus textos e gosto, vou dar uma de atrevido e comentar esse post...
"Se não aprendermos a ressignificar as coisas, a vida deixa de ter sentido". E de fato, a vida fica muito mais bonita quando cheia de mosaicos, pois em algum momento, tudo se quebra!
Beijos e parabens mais uma vez!

Mazica disse...

definitivamente tenho q parar de vir no seu blog enquanto estou em lugares como o escritorio.. nao eh bacana chorar aqui..
anyway.. lindo!

Camilo Vannuchi disse...

Nath, eu não sei se o seu pai tem o hábito de visitar seu blog. Pois devia. Foi pelas beiradas que eu abocanhei, ao longo dos meses, um pouquinho da sua história com ele, seus desencontros e desalentos. Mas é sempre do choro emocionado e orgulhoso vertido por ele numa sala da Metodista, na primeira e única vez que o vi, que eu me lembro ao ouvi-la partilhar segredos e angústias.
Nem sempre os pais têm a percepção do quanto eles significam, do quanto eles representam e dos quanto eles nos servem de referência para a vida. E é por isso que nos machucam, sem perceber, e às vezes nos viram do avesso, sem querer.
Torço muito para que vocês dois, pai e filha, se reencontrem, estabeleçam um vínculo mais belo e maduro do que o anterior, e aprendam a transformar suas diferenças em rejunte.